quinta-feira, 26 de maio de 2011

Documentos da ditadura viram "memória do mundo"

Anúncio foi feito ontem, em Paris, pela Unesco

Os documentos oficiais sobre a ditadura militar brasileira (1964-1985) foram considerados como "memória do mundo", um programa da Unesco –semelhante ao que identifica edificações e locais classificados como patrimônio da humanidade. Essa decisão da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) visa a proteger todos os papeis e arquivos produzidos pelo governo brasileiro, em todos os seus níveis, sobre a ditadura militar. Foram incluídos na lista, entre outros, os documentos já disponíveis no Arquivo Nacional (nível federal) e os do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

No seu comunicado oficial no dia 25 de maio de 2011 a Unesco diz que estão relacionados os papeis da "rede de informação e contra-informação do regime militar" brasileiro. O processo que resultou na decisão da Unesco levou cerca de dois anos para ser concluído. O próprio governo brasileiro fez o requerimento da inclusão dos arquivos da ditadura militar na categoria de memória do mundo.

Há dois aspectos intrigantes nessa notícia:
Primeiro, que até hoje não se sabe exatamente se todos os arquivos da ditadura militar foram de fato revelados.
Segundo, o fato de o Brasil não ter até hoje uma lei de direito de acesso a informações públicas. Embora seja necessário dizer que tenha existido nos últimos anos um esforço de alguns setores dos governos federais e de vários estaduais para resgatar a memória do período de 1964 a 1985.

O projeto de Lei de Acesso está empacado no Senado. Ontem, uma manobra regimental do presidente da Casa, José Sarney (PMSD-AP), impediu mais uma vez o texto de ser votado. Para que a Lei de Acesso seja aprovada é preciso uma decisão do Palácio do Planalto: priorizar as ações de sua base de apoio. A atual crise política envolvendo o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, fez com que esse tema ficasse em segundo plano.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Filhos por José Saramago


Devemos criar os filhos para o mundo. Torná-los autônomos, libertos, até de nossas ordens. A partir de certa idade, só valem conselhos. Especialistas ensinaram-nos a acreditar que só esta postura torna adulto aquele bebê que um dia levamos na barriga. E a maioria de nós pais acredita e tenta fazer isso. O que não nos impede de sofrer quando fazem escolhas diferentes daquelas que gostaríamos que fizessem ou quando eles sofrem pelas escolhas que recomendamos.

Então, filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter coragem. Isto mesmo! Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo corretamente e do medo de perder algo tão amado.

Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo! Então, de quem são nossos filhos? Eu acredito que são de Deus, mas com respeito aos ateus digamos que são deles próprios, donos de suas vidas, porém, por um tempo precisaram ser dependentes dos pais para crescerem, biológica, sociológica, psicológica e emocionalmente.

E o meu sentimento, a minha dedicação, o meu investimento? Não deveriam retornar em sorrisos, orgulho, netos e amparo na velhice? Pensar assim é entender os filhos como nossos e eles, não se esqueçam, são do mundo!

Volto para casa ao fim do plantão, início de férias, mais tempo para os filhos, olho meus pequenos pimpolhos e penso como seria bom se não fossem apenas empréstimo! Mas é. Eles são do mundo. O problema é que meu coração já é deles. Santo anjo do Senhor... É a mais concreta realidade. Só resta a nós, mães e pais, rezar e aproveitar todos os momentos possíveis ao lado das nossas crias, que mesmo sendo emprestadas são a maior parte de nós !

 A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver.


José Saramago

terça-feira, 10 de maio de 2011

Procurador gaúcho responsabiliza Lula por mensalão

 
No último dia 17 de abril, o procurador da República Manoel Pastana encaminhou ao procurador geral da República representação em que responsabiliza o ex-presidente pela existência do mensalão

Ao fazer a investigação e elaborar a peça acusatória que baseia a ação penal sobre o mensalão, que tramita no Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral da República livrou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de responsabilidade sobre os fatos que marcaram o seu primeiro mandato. O procurador da República no Rio Grande do Sul Manoel Pastana, no entanto, agora quer modificar essa situação. No dia 17 de abril, ele encaminhou ao procurador geral da República, Roberto Gurgel, uma representação em que pede a responsabilização criminal de Lula pela existência do mensalão. O Congresso em Foco teve acesso exclusivo à representação.

Para Pastana, há provas da responsabilidade do ex-presidente na montagem do esquema de captação e distribuição de recursos para aliados que ficou conhecido como mensalão. A assessoria de Lula foi procurada, mas não prestou nenhum esclarecimento à reportagem do Congresso em Foco.

As provas, segundo Pastana, vêm de um conjunto de acontecimentos e atos do governo Lula iniciados em setembro de 2003, que se estenderam até setembro de 2004. Nesse período, o governo criou as condições para o BMG – banco por onde circulou o dinheiro do mensalão, pelas contas do publicitário Marcos Valério de Souza – administrar crédito consignado para aposentados da Previdência, faturando R$ 3 bilhões.

O procurador baseia-se no conteúdo de duas tomadas de contas do Tribunal de Contas da União (TC nº 012.633/2005-8 e TC nº 014.276/2005-2) e do Inquérito Civil Público nº 1.16.000.001672/2004-59, da Procuradoria da República no Distrito Federal. Esses documentos deram origem, no dia 15 de janeiro de 2011, a uma ação de improbidade administrativa ajuizada contra Lula e o ex-ministro da Previdência Amir Lando.

“O objetivo da presente representação é instar a promoção da responsabilidade criminal do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que as responsabilidades civil e administrativa são objeto da ação de improbidade há pouco ajuizada”, diz Pastana, na representação.

Para ele, os dados constantes dos documentos do Tribunal de Contas e do Inquérito Civil Público trazem “fatos gravíssimos” ligados ao mensalão. “Foi o ex-Presidente Lula quem praticou atos materiais que fomentaram esse gigantesco esquema criminoso, e sem a presença dele na ação penal, o STF não terá elementos para condenar os líderes, mormente os autores intelectuais do esquema criminoso, pois estes não praticaram atos materiais e não deixaram rastros. Do jeito que está, apenas os integrantes braçais da “sofisticada organização criminosa” (o mensalão no dizer da denúncia levada ao STF) serão condenados” continua.

Cartas da Previdência

De acordo com Pastana, as provas que responsabilizam Lula vêm do conjunto de atitudes do governo que culminaram com o envio, em setembro de 2004, de mais de dez milhões de cartas a aposentados do INSS. As cartas, com timbre da Presidência e assinadas pelo próprio Lula e por Amir Lando, informavam sobre a existência do sistema de crédito consignado administrado pelo BMG. Como consequência, o banco, com apenas dez agências no país, faturou mais de R$ 3 bilhões em contratos de empréstimos com os aposentados. Além do BMG, o único banco habilitado a também operar tais empréstimos era a Caixa Econômica Federal, que tem mais de duas mil agências espalhadas pelo país. Graças à carta de Lula, o BMG obteve lucro maior que a Caixa.

O benefício ao BMG no processo já estava anotado na denúncia inicial do mensalão. “Ficou comprovado que o Banco BMG foi flagrantemente beneficiado por ações do núcleo político-partidários, que lhe garantiram lucros bilionários na operacionalização de empréstimos consignados de servidores públicos, pensionistas e aposentados do INSS, partir de 2003, quando foi editada a Medida Provisória nº 130, de 17.09.03, dispondo sobre o desconto de prestações em folha de pagamento dos servidores públicos e também autorizando o INSS a regulamentar o desconto de empréstimos bancários a seus segurados”, diz a Ação 470, em trâmite no STF.

“O que a denúncia do mensalão não apontou e agora está categoricamente demonstrada, mediante provas robustas, é a participação decisiva do ex-Presidente Lula na trama arquitetada para favorecer o banco BMG com tais empréstimos”, diz Pastana agora, na representação.

Para que o BMG conseguisse operar o crédito consignado, diz o procurador gaúcho, “violaram-se regras elementares que norteiam a Administração Pública”. O primeiro ato relativo ao crédito consignado foi a Medida Provisória 130, de 17 de setembro de 2003. Ela permite a criação da modalidade de empréstimos descontados em folha de pagamento a segurados do INSS. Para Pastana, a concessão de empréstimos bancários não caberia nos critérios de urgência e relevância que devem nortear a edição de uma MP.

Parecer da Procuradoria Federal do INSS, logo depois da edição da MP 130 determinava que a concessão de empréstimos só poderia ser feita por instituições que fossem pagadoras dos benefícios. “ Tal exigência jogou por terra a pretensão do banco BMG, pois ele não é pagador de benefício”, descreve Pastana.

O presidente Lula baixa, então, o decreto nº 5.180/2004, que permitia a qualquer instituição financeira conceder o empréstimo, “independentemente de ser ou não responsável pelo pagamento do benefício”. Estava aberto o caminho para o BMG, que, logo depois, requereu a sua habilitação.

No dia 29 de setembro de 2004, é enviada aos aposentados a carta assinada por Lula e Amir Lando. Na carta, o presidente e o ministro informam que o Congresso Nacional havia aprovado a lei do empréstimo consignado e que Lula a sancionava. “Com isso, você e milhões de outros beneficiários (as) passam a ter o direito de obter empréstimos cujo valor da prestação pode ser de até 30% do seu benefício mensal. Você poderá pagar o empréstimo com juros entre 1,75% e 2,9% ao mês”, informava a correspondência.Ocorre, porém, destaca Pastana na representação, que o crédito consignado já vinha sendo concedido pela Caixa Econômica Federal desde a edição da medida provisória, um ano antes. Na prática, só havia uma diferença com relação à situação de 2003: o BMG passara a emprestar também.

A intenção inicial era enviar 17 milhões de cartas aos segurados. Efetivamente, foram postadas 10.657.233 cartas, até dezembro de 2004, quando o INSS suspendeu a operação. O custo de produção e de postagem ficou em R$ 9.526.070,54. “Por considerar a conduta ilegal, pois teria a finalidade de fazer promoção pessoal do ex-Presidente da República e de favorecer o banco BMG, a Procuradoria da República no Distrito Federal aviou ação de improbidade administrativa contra o ex-Presidente Lula e o ex-Ministro da Previdência Amir Lando, objetivando a responsabilização administrativa e o ressarcimento ao erário do valor utilizado na produção e remessa das cartas”, aponta Pastana.

Banco do mensalão

O procurador gaúcho relaciona tais denúncias com o fato de ser o BMG um dos bancos por onde circulou o dinheiro do mensalão. Ele lembra que o último relatório da Polícia Federal sobre o caso mostra que o BMG não apenas fez os empréstimos ao PT, que são a base do mensalão, mas emprestou também a três empresas que também teriam envolvimento com o esquema.

Essa sequência de fatos fez com que fosse instaurado o inquérito civil público contra Lula e Amir Lando. Ele, porém, só apura a responsabilidade administrativa e civil do ex-presidente. Pastana quer também responsabilizá-lo criminalmente, daí sua representação. Para ele, o inquérito civil pública, pela primeira vez aponta oficialmente Lula “como envolvido em trama que está relacionada diretamente ao esquema do mensalão”.

“Com efeito, considerando que a ação de improbidade busca a responsabilidade civil-administrativa do ex-Presidente Lula, faz-se necessário perquirir a responsabilidade penal. Esta até com maior razão, pois, sem a presença do ex-presidente na ação penal do mensalão, fica impossível responsabilizar os líderes (autores intelectuais) do maior esquema criminoso de todos os tempos”, argumenta.

Embora Lula não seja mais Presidente da República, a atribuição é do Procurador-Geral da República (promotor natural do Presidente da República), porque os fatos estão diretamente ligados ao processo criminal do mensalão, que está em curso no Supremo Tribunal Federal, onde só o procurador-geral da República pode agir, explica Pastana.

Reportagem escrita por Rudolfo Lago, com a colaboração de Eduardo Militão. Para ver a matéria, é só clicar no link abaixo:


segunda-feira, 2 de maio de 2011

Tonga da Mironga do Cabuletê

Tonga da Mironga do Cabuletê

Toquinho e Vinicius de Moraes


Eu caio de bossa eu sou quem eu sou
Eu saio da fossa xingando em nagô
Você que ouve e não fala / Você que olha e não vê
Eu vou lhe dar uma pala / Você vai ter que aprender
A tonga da mironga do cabuletê
A tonga da mironga do cabuletê
A tonga da mironga do cabuletê
Você que lê e não sabe / Você que reza e não crê
Você que entra e não cabe / Você vai ter que viver
Na tonga da mironga do cabuletê
Na tonga da mironga do cabuletê
Na tonga da mironga do cabuletê
Você que fuma e não traga / E que não paga pra ver
Vou lhe rogar uma praga / Eu vou é mandar você
Pra tonga da mironga do cabuletê
Pra tonga da mironga do cabuletê
Pra tonga da mironga do cabuletê



1970.
Vinícius e Toquinho voltam da Itália onde haviam acabado de inaugurar a parceria com o disco “A Arca de Noé”, fruto de um velho livro que o poetinha fizera para seu filho Pedro, quando este ainda era menino.
Encontram o Brasil em pleno “milagre econômico”. A censura em alta, a Bossa em baixa. Opositores ao regime pagando com a liberdade e a vida o preço de seus ideais. O poeta é visto como comunista pela cegueira militar e ultrapassado pela intelectualidade militante, que pejorativa e injustamente classifica sua música de easy music.
No teatro Castro Alves, em Salvador, é apresentada ao Brasil a nova parceria.
Vinícius está casado com a atriz baiana Gesse Gessy, uma das maiores paixões de sua vida, que o aproximaria do candomblé, apresentando-o à Mãe Menininha do Gantois. Sentindo a angústia do companheiro, Gesse o diverte, ensinando-lhe xingamentos em Nagô, entre eles “tonga da mironga do cabuletê”, que significa “o pêlo do cu da mãe”.
O mote anal e seu sentimento em relação aos homens de verde oliva inspiram o poeta. Com Toquinho, Vinícius compõe a canção para apresentá-la no Teatro Castro Alves.
Era a oportunidade de xingar os militares sem que eles compreendessem a ofensa.
E o poeta ainda se divertia com tudo isso: “Te garanto que na Escola Superior de Guerra não tem um milico que saiba falar nagô”.

Fonte: Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão; uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.